A ACS Carisane tem talento especial para transformar dificuldades da vida em aprendizados para ajudar ainda mais a comunidade

Nome: Carisane Pinheiro
Endereço: Canoas / Rio Grande do Sul

Quero começar a contar minha história com um texto que amo e que li durante minha participação no projeto Saúde é meu lugar, no Rio de Janeiro, em 2018. Acho que esse texto da grande poetisa Cora Coralina resume o que, em minha opinião, é ser Agente Comunitário de Saúde (ACS):


Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. Cora Coralina

Estou em uma área da Contel, que fica perto do presídio”

Sou ACS desde 2011, em Canoas (RS), no bairro de Guajuviras, que nasceu em 1987, resultado da ocupação de uma área por pessoas sem moradia. Por pouco não desisti de fazer a prova do concurso para ACS, em 2010, porque na véspera aconteceu uma tragédia com uma família conhecida. Eles moravam nos fundos de minha casa e perderam tudo em um incêndio. Eu os coloquei para morar comigo e quase não fui fazer o concurso para não os deixar sozinhos. Todos nós estávamos muito abalados. Mas acabei indo fazer a prova e, para minha surpresa, passei em primeiro lugar em minha cidade.

Fui alocada para trabalhar com a comunidade Contel, que fica dentro de Guajuviras. Atualmente estou em uma área da Contel, que fica perto do presídio, conhecida pelos problemas que apresenta. Entre eles, violência sexual e doméstica, tráfico e dependência de drogas, gravidez precoce. A maioria das pessoas não quer atuar nessa área. Os médicos quando fazem visitas às famílias, evitam levar o celular por causa dos roubos.

A história que tinha tudo para dar errado, deu muito certo”

Mas algumas dessas questões da comunidade eu convivi em minha vida pessoal. Venho de uma família desestruturada, sofri abuso sexual na infância e na adolescência, não tive suporte familiar e fiquei grávida com apenas 15 anos. Mas como diz uma querida amiga: a história que tinha tudo para dar errado, deu muito certo. De fato, superei os traumas e tenho uma linda família, formada pelo meu marido Eduardo e duas filhas, Érika, de 22 anos, e Maria Eduarda, de 8 anos.

Acredito, inclusive, que o fato de ter passado por situações semelhantes às da comunidade onde trabalho, permite que eu entenda e lide melhor ainda com as pessoas. Sei, por exemplo, que é mais fácil para uma criança ou adolescente que está sofrendo abuso sexual ou violência doméstica se abrir comigo do que com alguém da própria família.

Com o diagnóstico de minha filha Maria passei a conhecer mais sobre autismo”

A única vez que pensei em deixar de ser ACS foi quando minha filha mais nova foi diagnosticada com autismo. Eu queria dedicar meu tempo integral a ela. Passei por uma fase de aceitação do diagnóstico e as terapias holísticas me ajudaram muito. No final, decidi continuar e lutei para ter o direito, previsto nesses casos, de diminuir minha carga horária sem prejuízo salarial. Consegui depois de dois anos. Minha carga semanal diminuiu de 40 horas para 30 horas. Com isso, consegui estruturar minha rotina para continuar a atuar como ACS e cuidar da minha filha. Levo Maria para a escola, às 7h, e vou para a Unidade Básica de Saúde (UBS), onde começo às 8h; às 12h, pego minha filha na escola e ela fica comigo na UBS até 14h16, quando termina meu turno. Uma )vez por semana, Maria Eduarda tem psicólogo, e uma vez por mês neuropediatra. Na escola, acompanho de perto o desenvolvimento dela.

Com o diagnóstico de minha filha Maria Eduarda passei a conhecer mais sobre autismo. Agora, eu estou atendendo uma família que tem um filho em investigação de diagnóstico de autismo e minha experiência com ela está me ajudando muito. Cada caso de autismo é singular.

Gosto muito de trabalhar com saúde mental”

Temos projetos, voltados para saúde mental, diabéticos, idosos, hipertensos. A pandemia fez com que tivéssemos que suspender algumas iniciativas, mas agora estamos voltando aos poucos e com os cuidados necessários. Gosto muito de trabalhar com saúde mental. Eu já tinha formação em terapia reikiana, uma técnica criada no Japão que consiste na imposição de mãos para transferência de energia, pois acredita-se que dessa forma é possível alinhar centros de energia do corpo, conhecidos como chakras, promovendo o equilíbrio energético necessário para manter o bem-estar físico e mental. Em 2018, eu tive a oportunidade de fazer o curso de Terapia Comunitária Integrativa. O conhecimento que obtive com esses cursos de terapias são uteis no dia a dia de meu trabalho em todas as ações que participo.

Gosto muito de trabalhar com saúde mental. Nessa área, temos o Grupo da Amizade, composto, além de mim, das ACSs Mara Rubia e Crislaine, a enfermeira Paola e o médico Rafael. Com o trabalho de saúde mental tivemos, por exemplo, o caso de uma mulher de 40 anos que estava em tratamento conosco desde 2017 e melhorou a ponto de voltar a trabalhar. Ela atua na área de higienização de nossa UBS.

Fazer parte dessas histórias é muito gratificante!”

Tenho amor pelo meu trabalho e acho que a atuação do ACS é fundamental. Muitas pessoas que atendemos encontram em nós o suporte que não encontram na família, seja por falta de condições, informação ou outros problemas de saúde. Além disso, trabalhar como ACS trouxe para mim uma coisa que por muito tempo faltou em minha vida: mães, pais, avós. É uma via de mão dupla: ofereço cuidado com amor e recebo de volta o mesmo sentimento.

Claro que nossa profissão precisa ser valorizada financeiramente e para isso temos lutado muito. Recentemente celebramos um aumento de salário em que todos nós ficamos felizes. Afinal, precisamos de suporte material para viver decentemente com nossas famílias, como todo mundo. No entanto, o que me move nesse trabalho é a valorização, o carinho e o reconhecimento que recebo das pessoas que atendo. Cada vitória de uma pessoa da comunidade que orientei e supera uma dificuldade é motivo de realização para mim. Fazer parte dessas histórias é muito gratificante!